Espaço Gourmet

Agora, ela tem status de sobra: Batatas rösti com salmão

Que trajetória: versátil, durável e nutritivo, tubérculo passou por maus bocados até conquistar um lugar de honra na mesa, mas hoje está entre os alimentos de maior importância para a humanidade

Chef Lauro Lucchesi
02/08/2015 às 09:00.
Atualizado em 28/04/2022 às 17:52
batata rosti com salmão (Ciéte Silvério/ Especial para Metrópole)

batata rosti com salmão (Ciéte Silvério/ Especial para Metrópole)

Tem coisa que a gente come no dia a dia, mas nem de longe imagina a sinuosa trajetória que enfrentou para ganhar lugar de honra em nossa mesa. Um desses alimentos é a batata, chamada por aqui de batata-inglesa, mas que de inglesa não tem nada. De origem andina, os primeiros tubérculos faziam parte da dieta dos incas, que os chamavam de papa e os cultivavam há mais de cinco mil anos antes dos descobrimentos. O primeiro contato da batata com os “brancos” se deu por volta de 1530, quando o conquistador espanhol Francisco Pizarro, junto de Pedro de Cieza de Leon, iniciou a matança para saquear os tesouros daquela esplendorosa civilização ameríndia. As primeiras naus voltavam ao Velho Mundo entupidas de ouro e prata. Batatas, oras, quem queria batatas? Foi somente em 1560, com os templos incas quase vazios de suas preciosidades, que as papas subiram a bordo, em grande quantidade e com mais atenção devido às suas propriedades e qualidades: cultivo fácil, durabilidade, teor nutritivo, grande valor energético e calórico, estes dois últimos fatores importantes para alimentar marinheiros e navegadores. E ficou nisso por muito tempo. Timidamente, a batata começou a ser cultivada em terras espanholas, mas não foi habilitada pela nobreza e pelo clero. Era considerada ornamental, destinada a poucos famintos camponeses e animais. Décadas depois, foi levada à Inglaterra e à Irlanda (onde de papa passou a potato), ao Norte da Itália, à Alemanha e de lá para o Oriente europeu. Em meados do século 17, finalmente, chegou à França, nação que lhe daria status de bom alimento. Por ter aportado na Europa numa época de intensas epidemias, a batata (e outros produtos oriundos do Novo Mundo) pagou o pato e sua sina de amaldiçoada perdurou por muito tempo: era vista como maléfica, venenosa e acreditava-se que transmitia lepra, sífilis e outras doenças. Seu cultivo chegou a ser proibido por édito oficial e quem o desobedecia estava sujeito a pesadas multas. Só após árdua batalha, no século 18, o tubérculo foi colocado em seu devido lugar por Antoine-Augustin Parmentier. Militar com formação em farmácia, botânica e agronomia, ele participou da Guerra dos Sete Anos e ficou prisioneiro na Prussia, onde foi alimentado apenas com batatas. Parmentier sobreviveu à prisão e voltou à França como herói, alardeando que resistiu comendo batatas. Fã do tubérculo, decidiu provar sua importância nutricional e usá-lo como principal alternativa para combater a fome que se alastrava pelo Interior de seu país. Enfermeiro-chefe encarregado de um hospital militar que atendia a mutilados e veteranos, incluiu batatas no cardápio e isso feriu a honra do exército. O alimento não estava à altura das patentes oficiais e Parmentier foi sumariamente demitido. Habituado ao círculo da nobreza e amigo de personagens influentes como o químico Lavoisier, Parmentier insistiu em sua tese até o tubérculo cair nas graças dos cozinheiros da corte de Luiz 16. Daí pra frente, foi moleza. Verdade ou lenda, há relatos de que usou de uma artimanha como propaganda para a batata galgar espaço na mesa da população: para cultivá-la, cercou uma grande área na entrada de Paris e deixou uma forte guarda armada protegendo-a dia e noite. Isso aguçou a curiosidade do povo, que acreditava que, diante de tanto cuidado, alguma coisa por demais de preciosa havia lá. Certa manhã, Parmentier liberou a guarda e o povo avançou sobre as plantações, passando a cultivar e consumir batatas livremente. Mais adiante, durante as duas guerras mundiais, a batata se consagrou de suma importância, sendo fundamental para salvar milhares de europeus da fome. Hoje, ela só perde para o arroz e o trigo no ranking de importância como fonte de alimento para a humanidade. Da família das solanáceas (a mesma do tomate, da berinjela e do pimentão), produz um dos mais versáteis tubérculos já encontrados e cultivados pelo homem. Pode, afinal, ser consumida cozida, assada, frita, sauté, em forma de purê ou tortas, em sopas, saladas, em massa de pães, fria ou quente, como aperitivo, prato principal ou coadjuvante de carnes vermelhas, aves, peixes e sanduíches. Em Portugal, não há bacalhau que tenha coragem de chegar à mesa sem a companhia de algumas delas. É injustiçada pelo time que vive de dieta, mas tem pouquíssima gordura e só quando frita extrapola o índice de calorias. Vencidos os preconceitos de ontem e de hoje, a batata frequenta com naturalidade e sem restrições a mesa de pobres, ricos e nobres. BATATAS RÖSTI RECHEADAS COM SALMÃOINGREDIENTES(para 4 pessoas)para o rösti_800g de batatas grandes, de preferências holandesas_1 cebola branca média em rodelas finas_4 colheres (sopa) rasas de manteiga sem sal_1 bom fio de óleo de canola ou girassol_Sal e pimenta-do-reino a gostopara o salmão_600g de salmão em filé ou postas_½ cálice de vinho branco seco de boa procedência_1 colher (sopa) de salsinha picadinha_Noz-moscada ralada, sal e pimenta-do-reino a gostoao trabalho Escolho batatas saudáveis. Retiro a casca, cubro-as com água fria, levo-as ao fogo com um pouco de sal e cozinho por dez a 15 minutos. Retiro-as ainda firmes, um pouco duras, e deixo esfriar. Levo-as à geladeira por algumas horas ou mergulho-as numa vasilha com gelo. Passo as batatas pela parte mais grossa do ralador, sempre de cima para baixo, para obter lascas longas e iguais. Reservo. Para preparar o salmão, coloco-o numa panela grossa e levo a fogo brando com o vinho, a salsa, a noz-moscada, o sal e a pimenta-do-reino. Abafo com uma tampa e mantenho-o nesse vapor por cerca de oito minutos, até ele estar cozido e opaco. Com um garfo, desfaço grosseiramente os pedaços do peixe, elimino peles e espinhas. Corto a cebola em rodelas finíssimas, douro na frigideira com um tico da manteiga e reservo. Escolho uma frigideira média, de fundo grosso e robusto, coloco um tico de manteiga, um fio de óleo e aqueço. Ponho nela um pouco das batatas raladas e pressiono bem, para que fiquem juntas, quase como uma panqueca. Salteio um pouco de sal e pimenta, disponho por cima o salmão e a cebola, de forma que cubram toda a extensão. Completo com mais batata e pressiono novamente com uma espátula pesada, uma colher grande ou um pires de louça. Dou mais um pouco de sal e pimenta. Mantenho o fogo brando e, com auxílio de um prato ou tampa, vou virando e tostando de um lado e do outro, até as batatas se renderem macias e douradinhas. Se necessário, deixo escorrer pelas beiradas da frigideira, em doses homeopáticas, um pouquinho de manteiga ou óleo. Assim que o rösti estiver tostado dos dois lados, passo para um prato e mantenho em lugar aquecido. Repito a operação com o restante dos ingredientes. Sirvo sozinho ou junto de saladas e carnes. Veja só: você pode variar o recheio. Na Suíça, país de origem desse prato que, inicialmente, integrava o café da manhã de fazendeiros e camponeses, os recheios preferidos são os queijos, em especial o gruyère. Também fica bom com espinafre, escarola, cogumelos, presuntos, bacon frito, frango desfiado, requeijão, bacalhau etc...E tem mais: existem dezenas de tipos de batatas no mercado brasileiro. As mais comuns são as de casca e polpa amarelas e algumas rosas, como a asterix. As batatas sujas têm mais durabilidade. De qualquer maneira, lavadas ou não, conserve-as em lugar fresco, escuro e arejado. Resistem bem por até duas semanas. Evite as que apresentam manchas verdes; são áreas expostas ao sol e concentram produtos químicos utilizados na lavoura.   

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