AGRONEGÓCIO

Agrishow: plantas 'discretas' em pauta

Na Agrishow, estarão expostos, além de ora-pro-nóbis, araruta, cúrcuma, carás, em forma de tubérculos, e capuchinha, peixinho-da-horta, major-gomes, serralha, azedinha, caruru, taioba, chuchu de vento, bertalha e vinagreira, plantados em vasos

Jaqueline Harumi
29/04/2017 às 19:20.
Atualizado em 22/04/2022 às 19:32
Vinagreira, usada para colorir alimentos, mas também para fazer chás, bebidas e até doces (Divulgação)

Vinagreira, usada para colorir alimentos, mas também para fazer chás, bebidas e até doces (Divulgação)

Batizadas na Região Metropolitana de Campinas (RMC) e presentes em feiras da Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região (ANC), as chamadas plantas alimentícias não convencionais (Pancs), muitas delas pouco conhecidas, ganham espaço na Agrishow, uma das três principais feiras de tecnologia agrícola do mundo, e a maior da América Latina, que começa nesta segunda e vai até sexta-feira em Ribeirão Preto. Estarão expostas 14 espécies do Polo Regional de Pindamonhangaba da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), que desenvolve o projeto Soberania e Segurança Alimentar Nutricional desde 2011 para resgate, produção e consumo de tais plantas. A sigla Panc foi criada em 2004 durante a elaboração do livro Plantas Alimentícias não Convencionais (Panc) no Brasil, publicado há três anos e de autoria do engenheiro agrônomo e botânico Harri Lorenzi, idealizador do Jardim Botânico Plantarum, um centro de referência em pesquisa e conservação da flora brasileira localizado na cidade de Nova Odessa. “São plantas que crescem espontaneamente no local ou foram implantadas aqui com fins ornamentais desde o ano de 1998, quando iniciamos a construção do jardim, que tem pouco mais de 4 mil espécies de plantas e pelo menos uns 10% delas podem ser consumidas, ou seja, são Pancs”, explica o botânico, que apresentou 352 espécies no livro, com informações, imagens e receitas. “A maioria delas é nativa da flora brasileiras e as demais são plantas exóticas introduzidas no território brasileiro há muito tempo e já naturalizadas ou cultivadas aqui para vários fins”, ressalta. Segundo a engenheira agrônoma Maria Elisa Von Zuben Tassi, da ANC, a publicação de Lorenzi desencadeou uma maior disseminação das espécies, que não são encontradas regularmente no mercado e, assim, acabam esquecidas. “Têm surgido muitos cursos, muitas oficinas, inclusive em setembro todo ano ocorre a Semana de Agricultura Orgânica de Campinas, que no ano passado e retrasado teve oficinas com o tema. Tem aumentado a popularização de alguma maneira, mas muitas pessoas não conhecem, então não dá para o produtor fazer um cultivo grande: ele tem que ter garantia de comercialização. Muitas vezes o que tem aparecido é o vínculo das Pancs com os chefs de cozinha, com pessoas que cozinham e estão dando esse valor, resgatando esse conhecimento tradicional” , relata. Foto: Divulgação Com várias finalidades medicinais, a bertalha não deve ser consumida crua e é fonte de vitaminas É o caso da gastrônoma Mabele Meloze, que, ao lado do marido, o engenheiro eletricista Diogo Cortez, apostou no cultivo das Pancs em seu sítio em Cosmópolis em 2015, onde já tinham um pé de ora-pro-nóbis há oito anos, com produção destinada apenas a alguns clientes fiéis. “Como essa plantinhas não soam muito conhecidas, um ou outro se interessa”, afirma Mabele, que produz ora-pro-nóbis e jambu em meio a diversas espécies convencionais. “Pensamos: vamos plantar uma coisa que a gente gosta, diferente”, lembra. “O jambu pica a língua, amortece, então você coloca ele com peixe, com frango, o que seja, você vai comer e sentir que a boca dá aquela amortecida, e o pessoal gosta muito de fazer pinga de jambu, porque a boca fica completamente amortecida: isso faz um sucesso tremendo”, exemplifica. Na Agrishow, estarão expostos, além de ora-pro-nóbis, araruta, cúrcuma, carás, em forma de tubérculos, e capuchinha, peixinho-da-horta, major-gomes, serralha, azedinha, caruru, taioba, chuchu de vento, bertalha e vinagreira, plantados em vasos. “A principal preocupação não é só abordar a parte técnica, mas fazer um resgate e valorização, porque estão ligadas à nossa história e nossa cultura alimentar”, ressalta a pesquisadora da Apta responsável pelo projeto Soberania e Segurança Alimentar Nutricional, Cristina Maria de Castro, que vê nas Pancs uma importante fonte de renda para os produtores rurais familiares por serem facilmente cultivadas e terem valor agregado. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), por exemplo, paga 30% a mais para produtos orgânicos do que para convencionais. “A Lei Municipal 16.140 também prevê a introdução progressiva de alimentos orgânicos ou de base agroecológica na alimentação escolar no município de São Paulo. A ideia é inserir alimentos saudáveis, ricos em nutrientes e livres de resíduos químicos na merenda escolar”, afirma. Foto: Divulgação Ora-pro-nóbis, que é usada em forma de salada, mas também como refogado e até cerca natural Mais saudável O “criador” das Pancs, Harri Lorenzi, frisa que elas ganham força na necessidade de suprimento equilibrado de nutrientes em nosso organismo. “Com a industrialização e a modernização de nossas vidas, o cardápio de opções alimentares vem sendo reduzido drasticamente, com pouco mais de meia dúzia de plantas sendo consumidas no dia a dia da maioria da população”, lembra. “O importante para as pessoas é saber quais plantas podem ser consumidas sem risco para suas saúde, mas o mais importante é saberem que dispõem desta opção para variar o seu cardápio alimentar sem gastar com a sua obtenção uma vez que estão presentes em todos os lugares, livres para serem coletadas”, esclarece. A pesquisadora da Apta considera bons exemplos para consumo caruaru e ora-pro-nóbis. “O caruru é um indicador de terra boa, parente da quinua, que é uma coisa chique que todo mundo come, dos Andes, que valorizam a cultura deles. O caruru é uma espécie espontânea, presente no Brasil nas hortas e riquíssimo em ferro. Como a parte de grãos é menor, comemos as folhas refogadas, como se fosse um espinafre, que tem aproximadamente 6mg de ferro em cada 100g e tem espécies de caruru que podem ter 200% mais ferro”, explica. “Ora-pro-nóbis é um cactus que possui folhas riquíssimas em proteínas: 25% são proteína. É conhecido como 'carne de pobre', carne vegetal. Além da proteína, é rico em ferro e cálcio. O sabor lembra um espinafre”, completa. Foto: Divulgação Rica em vitaminas, a serralha é bastante parecida com o espinafre e é bastante usada em cozidos Para a popularização das Pancs, Cristina está semestralmente presente em feiras pelo Estado com chef de cozinha para elaboração e ensino de receitas, realiza palestras e implanta hortas demonstrativas em escolas. “O que a gente come hoje em dia virou um combinado de vazio nutricional, com quase nenhum nutriente, e uma combinação de substâncias que não alimentam, que são conservantes, acidulantes e aromatizantes, que colocam para dar cor, aroma e sabor, e nutrientes que nós temos na natureza. Além disso, há alta presença de açúcares, sal e gorduras, o que tem levado ao aparecimento de muitas doenças. Antigamente a gente se alimentava para ter saúde e atualmente a gente está se alimentando e ficando doente”, afirma.   SAIBA MAIS TUBÉRCULOS Ora-pro-nóbis - Muito usada em cercas vivas, mas suas folhas e frutos, que são bagas amarelas e redondas, também servem como alimento. A planta é também empregada para a produção de mel. Araruta - Considerada como um alimento de fácil digestão, a fécula da araruta é usada no preparo de mingaus, bolos e biscoitos. Cúrcuma - é uma planta herbácea originária da Índia e Indonésia e da qual se obtém uma especiaria usada em temperos. Sua característica principal é a forte cor amarela. Cará - Fonte de carboidrato, ajuda na complementação da alimentação dos vegetarianos. Combina com sopas, cremes, saladas ou carnes de panela com molho.   EM VASOS Capuchinha - Suas folhas apresentam sabor picante, similar ao do agrião. Peixinho-da-horta - Da mesma família de sálvia, hortelã e manjericão. Pode ser cultivada como planta ornamental, possui uso medicinal, é servida como chá e quando frita lembra o sabor de peixe. Major-gomes - Usada na medicina caseira como diurético, cicatrizante e antiinfeccioso, é também consumida em saladas e refogados. Serralha - É comestível e rica em vitaminas A, D e E; possui um sabor amargo e paladar que lembra o espinafre. É usada em saladas e cozidos, além de fins medicinais. Azedinha - Fresca e picada, é ótima para saladas e sucos; quando refogada, é usada para incrementar sopas e molhos. Caruru - Rica em ferro, potássio, cálcio e vitaminas A, B1, B2 e C. Tem funções medicinais, combate infecções, problemas hepáticos. As sementes podem ser torradas e usadas em pães e outras receitas. Taioba - Típica da cozinha de Goiás. A folha é rica em vitamina A e amido. Alimento fundamental para as crianças, idosos, atletas, grávidas e mulheres que amamentam. Chuchu-de-vento - espécie de chuchu oco por dentro. Na culinária, pode ser recheado com camarão, lula, siri, verduras ou carnes. Possui propriedades medicinais. Bertalha - As folhas são ricas em cálcio, ferro, magnésio, manganês, potássio, sódio, zinco, fósforo, clorofila e vitaminas A, B, B2, B5 e C. Tem bastante ácido oxálico e, portanto, seu consumo cru não é recomendável, assim como o do espinafre comum. Vinagreira - É usado como condimento e para colorir e dar sabor agridoce a chás e bebidas alcoólicas e não-alcoólicas. É ideal para geleias, chutneys, molhos e conservas. As folhas jovens são importantes como erva culinária.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por