Suspeita é que emendas impositivas possam ter sido utilizadas para desviar recursos públicos por meio de superfaturamento
Em 2023, Secretaria de Cultura e Turismo recebeu R$ 8 milhões por meio das emendas impositivas dos vereadores; Em 2024, valor destinado foi de R$ 14,4 milhões (Kamá Ribeiro)
32 dos 33 vereadores da Câmara Municipal de Campinas serão investigados em um Inquérito Civil instaurado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) para averiguar suspeitas de irregularidades na destinação das emendas impositivas destinadas à área de Cultura, recurso que reserva parte do orçamento da Prefeitura para que os parlamentares indiquem onde o recurso deve ser alocado. Paulo Gaspar (NOVO) foi o único vereador não citado, uma vez que não destinou verba para a Secretaria de Cultura neste ano.
Uma das suspeitas gira em torno da contratação, sem licitação, de artistas com cachês vultosos, inclusive com valores acima de R$ 100 mil. Outro fator apontado é a repetição de contratações de grupos artísticos e agenciadores por uma grande quantia, o que pode indicar, de acordo com o MPSP, possível favorecimento e até desvio de recursos públicos.
O promotor Daniel Zulian orientou à Secretaria de Cultura e Turismo a suspensão da execução e do cumprimento orçamentário das emendas parlamentares impositivas destinadas, especificamente, "à contratação, mediante inexigibilidade de licitação, de pessoas físicas ou jurídicas para a realização de eventos e shows em valores que superem R$ 100.000,00 (cem mil reais), a fim de permitir o aprofundamento da apuração de eventuais irregularidades na destinação de tais emendas”.
Chamou a atenção do MPSP o fato de que a Secretaria recebeu R$ 8 milhões nas emendas impositivas de 2023, mas em 2024 a soma total destinada para a Pasta atingiu R$ 14,4 milhões, quase o dobro. Caso alguma suspeita seja comprovada, o responsável poderá responder por improbidade administrativa.
O QUE DIZEM CÂMARA E SECRETARIA
A Prefeitura de Campinas e a Câmara Municipal não são investigadas neste inquérito. Em nota oficial, o Legislativo campineiro disse que está à disposição do Ministério Público para qualquer esclarecimento institucional sobre as emendas impositivas e afirmou que encaminhou ao MP "as 90 emendas destinadas à Cultura, que aliás constam no Portal da internet da Câmara de Campinas".
"As Emendas Impositivas (EIs), previstas nos termos do artigo 168 da Lei Orgânica do Município, são uma ferramenta legal utilizada pelos vereadores para destinar recursos às mais diversas áreas, em prol da população (...) Vale lembrar que, segundo a legislação, o papel dos parlamentares se encerra com a apresentação das emendas e a aprovação da lei orçamentária, cuja realização é de responsabilidade da Prefeitura de Campinas. Compete aos vereadores, posteriormente, acompanhar e fiscalizar a execução."
Já a Secretaria de Cultura e Turismo afirmou que a aplicação das emendas é feita a partir da indicação dos parlamentares, que indicam o espetáculo, o artista e o local do evento.
"Todos os cachês artísticos, inclusive os indicados por vereadores, passam obrigatoriamente por análise documental, atendendo à legislação de contratações públicas (Lei federal número 14.133), que exige extensa documentação comprobatória. Quanto ao critério de inexigibilidade de licitação (notoriedade) a lei determina a comprovação de valor de mercado através de apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de 12 meses. A documentação é remetida para enquadramento legal à Procuradoria Jurídica na Secretaria Municipal de Justiça."
Assim como a Câmara, a Secretaria ressaltou que irá colaborar com todas as informações pedidas pelo MPSP e que não vê nenhum prejuízo com a recomendação de suspensão das contratações de cachês acima de R$ 100 mil, mediante inexigibilidade de licitação. "A Pasta realizou mais de 600 eventos no ano passado. A maioria voltado a grupos de artistas locais", concluiu a Secretaria em nota enviada.
PAULO GASPAR
Único vereador que não será investigado, Gaspar opinou que cada caso precisa ser apurado com cuidado para que não haja penalização a pessoas inocentes e também para evitar prejuízo aos artistas que realmente necessitam dos recursos públicos. O vereador explicou que não destinou verba para a Secretaria de Cultura e Turismo neste ano, pois já tinha destinado R$ 500 mil para a implantação da Bienal do Livro de Campinas no ano passado.