Lideranças contestam resultado do último Censo que registrou 1.569 pessoas
O presidente nacional da União Plurinacional dos Estudantes Indígenas (Upei), Arlindo Baré, estuda engenharia elétrica na Unicamp; coletivo congrega 72 mil alunos em todo o país (Alessandro Torres)
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) divulgou na segunda-feira (7) os resultados do Censo 2022 sobre a população indígena em Campinas. De acordo com os dados do IBGE, a cidade abriga 1.569 indivíduos pertencentes a esse grupo. No entanto, lideranças indígenas locais contestam esses números, afirmando que a metrópole concentra quase o dobro desse contingente, cerca de 3 mil pessoas.
A presidente do Coletivo EtnoCidade, Ahamy Mirin, destacou dois fatores que contribuem para a disparidade entre os dados oficiais e a percepção das lideranças. Segundo ela, muitos indígenas cadastrados na instituição não foram abordados durante o Censo, deixando uma parcela significativa da população de fora do levantamento. Além disso, Ahamy ressaltou que algumas pessoas não se declaram como indígenas devido à falta de inclusão em políticas públicas voltadas para essa comunidade, optando por se autodeclararem negras para se sentirem mais amparadas.
Ahamy Mirin (que significa pequeno dia feliz), da etnia Guarani M'bya, e seu esposo Awa M'batere (homem guerreiro), da etnia Pataxó Kamaca, têm trabalhado ativamente para acolher e integrar os indígenas que chegam a Campinas. A experiência de Ahamy, que cresceu em dois mundos distintos, tanto nas comunidades indígenas devido a seu pai, quanto fora delas devido à origem não indígena de sua mãe, a motiva a oferecer um ambiente acolhedor e seguro para a população indígena local por meio do Coletivo EtnoCidade. "Na EtnoCidade, nós fornecemos apoio e proteção à nossa população, compreendendo profundamente as dificuldades enfrentadas por aqueles que são recebidos com ignorância e preconceito", afirmou Ahamy Mirin.
No âmbito da população indígena de Campinas, o recente censo do IBGE apresentou um total de 1.569 indivíduos. Desses, 420 encontram-se integrados na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), abrangendo cursos de graduação, mestrado e doutorado. A informação é confirmada pelo atual presidente nacional da União Plurinacional dos Estudantes Indígenas (Upei), Arlindo Baré, um coletivo que congrega 72 mil alunos em todo o país.
Nascido em São Gabriel da Cachoeira (AM), o estudante de Engenharia Elétrica e líder da Upei, proveniente da primeira turma do vestibular indígena em 2019, ressalta a diversidade étnica na Unicamp: 40 povos indígenas e 37 línguas diferentes coexistem no ambiente acadêmico. Para ele, o desafio linguístico é notório ao se distanciar das comunidades de origem, sendo o português a principal via de comunicação. "Quando nós saímos da nossa comunidade, a língua portuguesa é a nossa maior dificuldade. Agora, quando se encontra diversas etnias em um mesmo local, o português se torna a principal ferramenta de comunicação para todos nós", declarou.
A essência da identidade indígena é ressaltada pelo líder: "Ser indígena é praticar o Bem Viver, filosofia de vida. Os povos indígenas, sempre buscam a harmonia com a natureza, na lógica da coletividade. A nossa relação com a natureza sempre foi e será proteger a natureza para que possamos viver socialmente organizados", afirma.
Kellen Natalice Vilharva, doutoranda em Clínica Médica na Unicamp aos 27 anos, carrega consigo a experiência da aldeia Jaguapiru, em Dourados (MS). Para ela, a maior barreira que a população indígena enfrenta é a superação do preconceito e da discriminação. Mesmo no ambiente universitário, o respeito pelos costumes e crenças não é universalmente observado.
"Mesmo com todo o processo de adaptação e o acolhimento que a Unicamp oferece no dia a dia de uma universidade pública, não é nada fácil. Nossos costumes e crenças, não são respeitados", relatou Kellen.
De acordo com os mais recentes dados do Censo do IBGE, Campinas ostenta o maior contingente populacional entre os povos originários da região, totalizando 1.569 pessoas. Esse número representa um aumento significativo de 50% em relação ao total de 1.043 registrado no Censo de 2010.
Outras cidades da região também apresentam núcleos expressivos de indígenas, porém em menor escala. Hortolândia (SP) contabiliza 265 indivíduos, seguida por Sumaré, com 247, Americana, que registra 218, e Indaiatuba, onde se encontram 187 integrantes dessas comunidades.
CENSO NO BRASIL
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os primeiros resultados do Censo Demográfico de 2022 referentes à população indígena no país. São 1.693.535 pessoas que se autodeclaram indígenas, representando 0,83% da população total e abrangendo 4.832 municípios.
Comparado ao Censo de 2010, que contabilizou 896.917 indígenas (0,47% da população), o atual levantamento revela um aumento significativo de 88,82% em 12 anos. O número de terras indígenas oficialmente delimitadas também cresceu, passando de 501 em 2010 para 573 no último ano.
Esse incremento é atribuído a diversos fatores, incluindo melhorias no mapeamento das localidades indígenas, procedimentos operacionais padronizados para abordar lideranças, uso de guias institucionais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) ou da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), capacitação das equipes regionais e locais, envolvimento de guias comunitários indígenas, treinamento especializado das equipes censitárias e ajustes metodológicos para simplificar o questionário.
Marta Antunes, responsável pelo Projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, destacou o apoio das lideranças indígenas em cada aldeia, ressaltando a importância de abordar o Censo como uma política de Estado e um direito dos povos indígenas. "Em cada aldeia contamos com o apoio de pelo menos uma liderança indígena. Nossos agradecimentos a todas as lideranças que assumiram o Censo como uma política de Estado mas também como um direito dos povos indígenas de serem recenseados da melhor forma possível", disse Marta.
A Região Norte do Brasil lidera em números, concentrando 44,48% da população indígena, totalizando 753.357 indivíduos. A Região Nordeste segue com 31,22% (528.800). Juntas, essas duas regiões representam 75,71% da população indígena nacional. O Amazonas e a Bahia emergem como as unidades da federação com maior população indígena, abrigando 42,51% do total. O Amazonas conta com 490.854 indígenas (28,98% do total), enquanto a Bahia tem 229.103 (13,53%). Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Roraima completam os cinco estados com maiores quantitativos, abarcando 61,43% da população indígena brasileira.
TERRAS INDÍGENAS
A população nas terras indígenas do Brasil totalizava 689,2 mil habitantes, divididos entre 622,1 mil indígenas (90,26%) e 67,1 mil não indígenas (9,74%). Quase metade desse contingente (49,12%) reside na Região Norte, onde as terras indígenas abrigam 338,5 mil pessoas, sendo 316,5 mil (93,49%) indígenas.
Destacando-se entre essas áreas, a Terra Indígena Yanomami (AM/RR) é a mais populosa, com 27.152 indígenas, equivalente a 4,36% do total nas terras indígenas do país. Na sequência, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) conta com 26.176 habitantes, seguida pela Terra Indígena Évare I (AM), com 20.177.
Do universo de 72,4 milhões de domicílios permanentes ocupados no Brasil, 630.041 abrigavam ao menos um morador indígena, representando 0,87% do total. Desses domicílios, 137.256 encontram-se em terras indígenas (21,79%), enquanto 492.785 estão fora delas (78,21%).
A média de moradores nos domicílios com ao menos um morador indígena é de 3,64. Nas terras indígenas, esse número é de 4,6 pessoas, enquanto fora dessas áreas é de 3,37 pessoas. Em todos os cenários, essa média supera a quantidade de moradores dos domicílios em todo o país (2,79).