BUSCA E APREENSÃO

PF desarticula fraude contra a Previdência em Campinas

Esquema executado por prestador de serviço burlava benefícios como auxílio doença e acidente

Guilherme Ferraz/ Correio Popular
24/02/2021 às 10:01.
Atualizado em 22/03/2022 às 01:30
Agência do Instituto Nacional de Seguro Social no Centro de Campinas: fraude flagrada pela Polícia Federal concedia benefícios a quem não tinha direito; prejuízo de R$ 500 mil (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Agência do Instituto Nacional de Seguro Social no Centro de Campinas: fraude flagrada pela Polícia Federal concedia benefícios a quem não tinha direito; prejuízo de R$ 500 mil (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Fiscela com o objetivo de desarticular um esquema montado para obter benefícios previdenciários junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No total foram encontradas 40 fraudes entre auxílios doença e acidente, que resultaram em um prejuízo de cerca de R$ 500 mil ao instituto.

Um mandato de busca e apreensão em São Paulo foi cumprido pelo delegado, agentes e escrivão de Campinas, responsáveis pela investigação. Também foram bloqueadas as contas bancárias de 31 pessoas beneficiadas pelo esquema, conforme decisão da Primeira Vara Federal de Campinas.

Segundo o chefe da delegacia da Polícia Federal de Campinas, Edson Geraldo Souza, não se trata de uma associação ou organização criminosa, mas sim de um prestador de serviço que fazia o trabalho de despachante, fraudava documentos e colocava gesso em pessoas que estavam conscientes e saudáveis. "Essas pessoas eram instruídas e munidas de documentos falsos para obterem os benefícios de auxílio doença ou até o auxílio acidente".

As investigações, realizadas pela Força-Tarefa Previdenciária e Trabalhista, constituída pela Polícia Federal e CGINT (Coordenação Geral de Inteligência Previdenciária e Trabalhista) do INSS, iniciaram-se em 2018, após apurações do próprio INSS apontarem irregularidades nas concessões de alguns benefícios.

"Nós trocamos informações e a partir do momento em que eles detectam fraudes administrativas, eles já nos comunicam para que nós possamos alcançar esses infratores criminalmente", conta o delegado.

O nome da operação, Fiscela, faz referência ao fato de que funcionários do setor de recursos humanos das empresas foram ameaçados com a exigência de que ficassem calados e deixassem de prestar informações ao INSS. Fiscela é um tipo de focinheira utilizada para evitar que os animais ataquem, mordam ou se alimentem.

"Nós detectamos que 60% dos beneficiários eram empregados de uma empresa de transporte rodoviário de passageiros de Paulínia. Quando a própria empresa detectou as fraudes, os funcionários do RH abordaram os empregados, mas foram ameaçados pelos clientes e pelo organizador da fraude, caso eles apresentassem informações ao INSS", disse.

Durante as investigações foram identificadas 35 pessoas empregadas que estavam simulando problemas de saúde e, com suporte em documentação falsa, conseguiam obter o benefício de auxílio doença previdenciário, porém, para a PF, apenas o homem de Paulínia gerenciava o esquema.

"São 35 pessoas investigadas no total, no entanto, nós entendemos que somente esse homem de Paulínia teria o conhecimento e os documentos para fazer o esquema funcionar. As demais pessoas nós podemos chamar de clientes do esquema, que foram pessoas que procuravam esse homem para obter a documentação, a instrução e até gesso no braço ou na perna para fraudarem a perícia médica", afirma Edson Souza.

Até o presente momento foram identificados 40 benefícios suspeitos, pois alguns investigados receberam o auxílio mais de uma vez. A operação mostrou que o investigado estava oferecendo a fraude pela região de Campinas. "Os beneficiários são de Paulínia, Campinas, Monte Mor, Sumaré e Cosmópolis. Ou seja, o investigado estava oferecendo o esquema de fraudes pela região de Campinas", informou o delegado.

Os investigados, na medida de sua culpabilidade, responderão pelos crimes de estelionato majorado, falsidade documental e ameaça, cujas penas somadas podem ultrapassar 10 anos de reclusão. Segundo o delegado, três beneficiários já devolveram os valores recebidos ao INSS.

"Devolver o dinheiro não elimina o crime, mas serve como fator atenuante para diminuição da pena, que pode chegar a 10 anos. Caso a pessoa não devolva há primeiro uma cobrança administrativa e depois uma cobrança até mesmo judicial, para que esses valores sejam devolvidos ao INSS", declarou.

E além desses 40 casos, a força-tarefa já identificou mais oito possíveis fraudes que estão em análise. Quando o INSS terminar a apuração, esses oito poderão ou não ser incluídos nessa investigação.

O INSS informou em nota que a Força-Tarefa Previdenciária e Trabalhista alcançou, em 2020, a marca de mil ações conjuntas realizadas em 20 anos de trabalho. Durante esse período, foram cumpridos 9.612 mandados judiciais, sendo 2.553 de prisão, 5.791 de busca e apreensão, 1.133 de condução coercitiva e 135 mandados de suspensão de atividade.

Ainda segundo o INSS, as parcerias nas investigações são essenciais no combate a fraudes. A integração das informações dos sistemas informatizados do Governo Federal é fundamental para descobrir como as organizações criminosas operam.

O suspeito

Um homem de 50 anos, sem formação, sem passagem policial e morador de Paulínia é o principal investigado por organizar o esquema. Para ele, foi emitido um mandado de busca e apreensão na cidade de São Paulo, atual local de moradia do infrator.

Durante a operação de ontem, foram encontrados, na casa do investigado, além de documentos, agendas, celulares e notebooks, um tanolário de atestado médico em nome de um médico existente. Para o delegado, até agora a investigação mostra que o médico não tem qualquer envolvimento com o esquema e que apenas o nome dele estava sendo utilizado. "O encontro desse talonário indica que as fraudes tenham seguido em 2019, 2020 e prossigam até hoje".

Segundo o delegado Edson Souza, esse homem não era funcionário da empresa de ônibus de Paulínia e nem do INSS. Era um despachante que auxiliava pessoas a instruírem seus processos e por isso foi procurado por essa clientela. Durante a abordagem, o indivíduo não disse como era a sua remuneração, nem o quanto ganhava por fraude. "Nós queremos saber como ele trabalhava, se era um despachante costumeiro e como ele teve conhecimento da perícia para instruir seus beneficiários", conta.

Para o delegado, o homem atuou sozinho e não há a hipótese de corrupção por funcionários do INSS. "Não trabalhamos com a hipótese de que haja envolvimento de funcionários do INSS no esquema, ao contrário, é o próprio INSS quem fiscaliza e nos informou sobre essas fraudes".

Mesmo com os indícios de fraude, o homem não foi preso, mas caso seja comprovado que ele continua realizando as fraudes ou que seja constatada alguma ameaça às pessoas investigadas no processo ou às testemunhas, será emitido um mandado de prisão.

“Às vezes os investigados não são presos em operação, porque não se apresenta nenhuma razão, mas logo em seguida, quer pela análise de documentos, quer pelo desenrolar da investigação, a PF é obrigada a pedir a prisão preventiva sob pena de atrapalhar as investigações", explica.

Segundo o delegado, a data para conclusão da investigação ainda é incerta. "Nós já estamos com esse inquérito há dois anos, reunindo informações e agora é um amadurecimento. Tudo depende do que nós encontrarmos nesse material apreendido. Pode ser que se torne mais complexa, pode ser que revele que há outras pessoas trabalhando, pode mostrar um paralelismo com outras pessoas oferecendo o serviço. A tendência é que terminemos o inquérito em 30 dias".

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