A articuladora do Programa Municipal de Imunização, Chaúla Vizelli: até 2016, Campinas tinha ótimos números, com índices superiores a 100% (Kamá Ribeiro)
O Brasil conquistou ao longo das últimas décadas uma ampla cobertura vacinal e tornou-se um país referência na vacinação de crianças. Porém, nos últimos anos, os indicadores do país têm levado especialistas e autoridades sanitárias a se preocuparem com a queda brusca nos indicadores e com a possibilidade de doenças controladas - ou erradicadas - voltarem a aparecer. Em 2015, o Brasil atingiu uma média de 97% de cobertura vacinal, e, desde então, o número vem em queda, mas nunca tão brusca como nos dois anos da pandemia de covid-19. De 2019 para 2020, primeiro ano da pandemia, a cobertura caiu de 84% para 77%. A queda foi ainda mais acentuada de 2020 para 2021, quando esse número chegou a 68%.
Mesmo observando os números específicos de cada vacina, todas tinham a cobertura superior a 90% em 2015, sendo que, em 2021, apenas duas passaram dos 70%: a vacina contra a pneumonia (71,13%) e a primeira dose da Tríplice Viral (71,36%). Em Campinas, os dados preliminares indicam que a situação é um pouco "melhor", com os números orbitando entre 80% a 85%, com exceção da vacina contra a tuberculose, a BCG, que estava em 72,82% no ano passado. O ideal é que a cobertura seja superior a 90%. De acordo com a articuladora do Programa Municipal de Imunização, Chaúla Vizelli, até 2016, Campinas tinha ótimos números, com índices superiores a 100% - algo que pode ser explicado por uma possível busca pela vacinação no município de residentes de outras cidades. A BCG, por exemplo, tinha uma cobertura de 104,57% em 2015. "2017 e 2018 foram anos intermediários em que houve uma discreta queda. De 2019 para cá a queda foi maior pela pandemia".
O prejuízo que a crise da covid-19 trouxe à cobertura vacinal tem alguns motivos. O primeiro deles foi o isolamento praticado, que afetou a procura por serviços de saúde, sendo que os próprios serviços foram dedicados prioritariamente a atendimento de sintomáticos respiratórios. Por outro lado, o discurso negacionista e antivacina em uma época de fácil disseminação de fake news também afetou os números. "O movimento antivacina começa no exterior, mas tem bastante força aqui em alguns bolsões do município. As fake news e o excesso de informação às vezes também atrapalham, pois as pessoas têm acesso a informações de fontes que nem sempre são confiáveis".
Para se prevenir contra o que não é doença, mas afeta a saúde da população, a recomendação é evitar fontes não conhecidas e não confiáveis e, sempre que houver dúvidas, procurar esclarecimentos nos próprios Centros de Saúde ou nos demais serviços públicos de saúde do município. É possível também ligar no número 160, o Disque Saúde de Campinas.
O sucesso conquistado na vacinação também pode ter atrapalhado indiretamente os números atuais. "As pessoas deixam de se preocupar com a doença porque ela não existe mais ou não aparece com frequência, então a busca pela vacina acaba sendo menor, mas o sarampo é um exemplo. Tivemos a erradicação dele no nosso país e, por conta das baixas coberturas vacinais, pelas pessoas suscetíveis, houve a reintrodução do vírus. Isso mostra mais uma vez o quão importante é manter a cobertura vacinal homogênea, não adianta todo mundo no município estar vacinado e a cidade vizinha não. As pessoas circulam e isso reintroduz o vírus".
Volta dos casos
Em Campinas, de acordo com Chaúla, a situação do sarampo está totalmente controlada depois de casos aparecerem há alguns anos, porém, para o membro do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e professor titular de Pediatria da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ricardo Queiroz Gurgel, há uma chance concreta de que essas doenças reapareçam com força no Brasil.
"O sarampo já é uma realidade, no ano passado foram cerca de 8 mil casos no Brasil. É o único país da América Latina com transmissão sustentada. Mesmo um percentual de cobertura vacinal em 80% causa preocupação porque as baixas coberturas ficam em grupos populacionais que não se vacinam, então se o vírus do sarampo contamina as pessoas ele se alastra e aí temos um surto. Diferente de quando há uma boa cobertura vacinal. Se uma pessoa pegar, ela não transmite para outra, pois quem está ao redor já está vacinado."
Chaúla Vizelli explicou a diferença de erradicação e controle das doenças. "Quando a situação está controlada, o vírus ainda circula, mas com poucos casos e os surtos são contidos. Erradicação é quando não existe mais a doença, quando não há circulação no país por um determinado período de tempo. No mundo, temos a questão da poliomelite, que em países que já tinham erradicado a doença estão tendo alguns casos."
Para Ricardo Queiroz Gurgel, a chance de reaparição da doença no Brasil é concreta. "Israel teve, na semana passada, sete casos de pólio. É um absurdo, porque há mais de 30 anos que países como Israel e Brasil não tinham casos. Apenas dois países tinham casos do vírus selvagem: Afeganistão e Paquistão, mas agora está aparecendo em outros lugares por causa da baixa cobertura. Seria uma tragédia voltar a ter poliomelite no Brasil, e essa possibilidade não está afastada. Hoje a transmissão de um local para o outro é mais fácil."
De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o Brasil recebeu o certificado de eliminação da pólio em 1994. No entanto, até que a doença seja erradicada no mundo (como ocorreu com a varíola), existe o risco de um país ou continente ter casos importados e o vírus voltar a circular em seu território.
Importância da vacinação
Com a cobertura das vacinas abaixo bem abaixo do desejado, e em alguns casos, nacionalmente, com queda de 30% em poucos anos, a articuladora do Programa Municipal de Imunização destacou que não há uma mais importante que a outra, que para a saúde pública todas são importantes. "Reforço que todas as vacinas são fundamentais. Gostaríamos que todas essas tivessem uma cobertura vacinal acima de 95%. A vacinação é uma medida efetiva para ajudar no controle dessas doenças. Precisamos que os pais levem as crianças em qualquer Centro de Saúde. Todos têm equipes treinadas e capacitadas."