ALEGRIA

Corpo e alma do picadeiro

O Dia do Circo, comemorado nesta segunda-feira, é uma homenagem a Piolin (1897-1973), conhecido mundialmente e considerado o maior palhaço brasileiro

Delma Medeiros
25/03/2017 às 18:46.
Atualizado em 22/04/2022 às 19:54
Piolin, nome artístico de Abelardo Pinto, em foto sem data: capacidade extraordinária de misturar linguagens (Divulgação)

Piolin, nome artístico de Abelardo Pinto, em foto sem data: capacidade extraordinária de misturar linguagens (Divulgação)

O Dia do Circo, comemorado nesta segunda-feira, é uma homenagem a Piolin (1897-1973), conhecido mundialmente e considerado o maior palhaço brasileiro. Abelardo Pinto, o Piolin, nasceu num circo armado em Ribeirão Preto em 27 de março de 1897. Iniciou sua carreira no Circo Americano, de seu pai, ainda criança, envolvendo-se em diversas atividades circenses. A data foi declarada oficialmente Dia do Circo no Estado de São Paulo em 1973. De origem paulista, o Dia do Circo se espalhou por todo o Brasil. Coincidentemente, neste dia se comemora também o Dia Internacional do Teatro por ser a data da inauguração do Teatro das Nações em Paris. Este ano, a comemoração do Dia do Circo é ainda mais especial por marcar as 120 anos de nascimento de Piolin, filho de artistas circenses, que conquistou o reconhecimento dos participantes do movimento modernista. “Piolin tem grande importância na história e cultura do Brasil. Atraiu os intelectuais da Semana de Arte Moderna de 1922, era amigo de Oswald de Andrade e, ao mesmo tempo, tinha o reconhecimento popular e fazia sucesso no circo”, aponta o professor Walter de Sousa Junior, um estudioso da vida e obra do palhaço e autor do livro e documentário Piolin, o Corpo e a Alma do Circo. Segundo o pesquisador, os modernistas viam em Piolin a essência da cultura popular brasileira. “Tanto que em 1929, Oswald organiza o Banquete Antropofágico no Salão de Chá do Mappin Store (um dos locais mais celebrados na época), em homenagem a Piolin. Dizia que era um banquete para ‘devorar Piolin’, fazer a deglutição da cultura popular”, explica Sousa Junior. Piolin fez a proeza de manter por quase 30 anos — de 1933 a 1960 — um circo em atividade, em endereço fixo na zona Oeste de São Paulo, com apresentações de comédias de circo-teatro. “Ele foi pioneiro em fazer comédias com referências do cinema americano. Tinha uma capacidade singular de misturar linguagens — aliás, o circo não tem escrúpulo em mesclar linguagens —, estava sempre inovando, apresentando uma comédia teatral a cada semana”, diz o pesquisador. Essas características — reconhecimento dos modernistas, circo em endereço fixo e respeito da classe —, o tornaram tão famoso, apesar de, ao contrário de outros como Arrelia e Carequinha, quase não ter feito televisão. “Ele não foi um fenômeno de massa como os outros, mas é reconhecido por sua história”, afirma Sousa Junior. Franco Alves Monteiro, o palhaço Xuxu, foi o último companheiro de picadeiro de Piolin e lembra saudoso do velho amigo. “Era uma maravilha trabalhar com ele. Era um cara excelente, uma pessoa boa, guerreira, excepcional”, afirma Xuxu, também de família circense, que herdou o nome artístico do pai, Afonso Monteiro, “o velho Xuxu”, do Circo Aloma. Xuxu trabalhou por 14 anos com Piolin. Hoje, aposentado, é professor de artes circenses em Barueri. “Não o vi em cena. Assisti apenas um trecho de um vídeo em que ele atuava. Há pouco material gravado sobre Piolin. Mas sei da importância que ele representa para o circo, especialmente, como no meu caso, para o circo-teatro”, diz José Pereira França, o palhaço Tubinho, que circula pelo interior de São Paulo com seu Circo Teatro Tubinho. “Mesmo com pouco acesso ao material de Piolin, ele serve de parâmetro para meu trabalho. A história dele, Arrelia, da minha própria família, são as bases do meu circo-teatro”, diz França. Ele destaca ainda que ficou feliz ao ver fotos de Piolin fazendo comédias que estão hoje no repertório do seu circo-teatro. SAIBA MAIS Abelardo Pinto viveu sua infância dentro do circo, envolvido nas mais diferentes atividades. Seu treinamento teve início muito cedo. Aprendeu as modalidades de ciclista, saltador, casaca de ferro, acrobata e contorcionista, tendo se destacado nesta última em criança. Aos 8 anos se apresentava no Circo Americano, de seu pai, como “o menor contorcionista do mundo”. Quando o palhaço do circo foi embora, decidiu assumir a tarefa de fazer rir. O apelido Piolin surgiu em 1918. Foi dado por um grupo de artistas espanhóis que, ao verem o pequeno Abelardo, comprido e de pernas finas, diziam que ele parecia um “piolín” (barbante muito fino). Piolin morreu em 4 de setembro de 1973, de insuficiência cardíaca. Uma multidão se aglomerou nas alamedas do Cemitério da Quarta Parada, na zona Oeste da capital paulista, para acompanhar o enterro e se despedir do “Rei dos Palhaços” brasileiros. (DM/AAN)   PONTO DE VISTA - Walter de Sousa Junior (artigo publicado na revista Repertório Teatro & Dança) ‘Senso do grotesco é a base da graça’ “Fazer rir não é tarefa simples. Não basta ter o rosto pintado nem forjar uma voz que encante. Não basta ter desenvoltura cênica nem fazer caras e bocas; tampouco vestir-se com excentricidade. Aliás, esta excentricidade não se restringe às roupas largas, ao colarinho folgado, nem aos sapatos disformes. É muito mais que a forma. Pintura, roupa, fala, desenvoltura, mas aliadas ao senso do grotesco, que é a base da graça do palhaço excêntrico (...) Piolin adquiriu fama não só por seu sucesso popular, inicialmente conquistado no Circo Alcebíades, na década de 1920, instalado no centro de São Paulo, mas por ter sido elogiado e enaltecido pelo grupo modernista, entre eles Mário de Andrade, Antonio de Alcântara Machado e convivido mais proximamente com Oswald de Andrade. Passada a fase em que foi apontado como a síntese da alma brasileira (por Oswald), ou a solução para o teatro brasileiro (por Alcântara Machado), Piolin chegou a se aventurar no palco italiano, convidado por Oduvaldo Viana, atuando ao lado do cômico Tom Bill, no Teatro Boa Vista, em São Paulo. Retornou ao picadeiro em 1933, mantendo circo com o seu nome até 1960.”

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