Consumo

Menos será mais?

Pandemia faz toda a cadeia da moda repensar sua essência e seu papel no mundo

Kátia Camargo
05/07/2020 às 09:00.
Atualizado em 28/03/2022 às 23:49
A moda está sendo repensada em meio a pandemia  (Divulgação)

A moda está sendo repensada em meio a pandemia (Divulgação)

Já parou para pensar como será o universo da moda no mundo pós-pandemia? As pessoas vão consumir menos ou mais? Será que vão comprar o que deixaram para trás neste período ou vão olhar para o guarda-roupa e consumir o que de fato será necessário para elas? Todas essas questões ainda estão no ar, mas na obscuridade do cenário atual há quem já projete uma diversidade de atitudes e comportamentos derivados da pandemia, que tem levado marcas e pessoas a repensarem sua essência e seu papel no mundo. O fato é que num tempo em que a prioridade mundial tem sido alimentação, higiene, saúde, é notório que a moda passará também por grandes desafios e transformações. A Metrópole conversou com alguns especialistas e estudiosos ligados ao mundo da moda para saber o que eles já estão percebendo e o que deve vir pela frente. A moda pode ser definida como costume e tem origem no século XV, mais especificamente no Renascimento. Pois até então as pessoas se vestiam com um mesmo estilo e passaram a usar as roupas para se diferenciar. Vale destacar que o comportamento e as mudanças na humanidade ao longo dos séculos são até hoje os principais fatores que dão mobilidade à moda. Logo que a pandemia começou uma das mudanças imediatas trazidas pelo distanciamento social foram as diferentes formas de consumir que passaram a ser, em grande parte, pelas plataformas on-line. Muitas lojas que ainda não estavam conectadas ao mundo virtual de forma tão potente tiveram que correr atrás e tentar se adaptar rapidamente. O coordenador do curso de Moda do Unisal Duílio Fabri Junior ressalta que a moda é expressão e identidade. “Ao contrário do que muita gente pensa moda não é apenas superficialidade. Moda é expressão, identidade. Mesmo nesse período de pandemia existem indicações dos psicólogos para que as pessoas não fiquem apenas de pijama, mesmo estando só em casa. Porque isso ajuda a dar a rotina que elas perderam de se colocar, maquiar, pentear, de vestir uma roupa. Vale destacar que muitas pessoas continuam em contato, ainda que remotamente, com outras pessoas. Moda neste tempo de pandemia é um sustentáculo da identidade. Vale lembrar que você está vivo, você só está em casa”, destaca Duílio. O professor conta que as marcas mais famosas como Louis Vuitton, Chanel, entre outras, já trazem máscaras em seu making porque sabem que esse é um comportamento que vai perdurar por muito tempo. “Não é uma questão de moda, é uma questão de identidade”, destaca Duílio. Ele complementa que por aqui, quando saímos na rua, vemos muitas máscaras com rostos, figuras. Isso é expressão! “A moda é fundamental para ter um contorno de quem você é”, diz. Para ele, a peça passou a ser associada ao bem, à proteção. “Quando a moda incorpora a máscara, ela faz o papel social que ela tem, de colocar essas questões em discussão”, acrescenta. Duílio afirma ainda que com a pandemia as grifes perceberam o valor social que elas precisam ter. “Como elas podem reinventar a forma de se comunicar com as pessoas. O foco das marcas passou a ser a pessoa e não mais o produto. Se antes elas diziam compre isso, compre aquilo, agora elas estão dizendo, no que eu posso te ajudar? O que eu posso melhorar para você? Se elas não colocarem o consumidor em primeiro lugar não vão conseguir passar esse processo de pandemia”, afirma. ‘Menos é mais’ nunca fez tanto sentido Cris Guerra, autora de seis livros, dentre eles o Moda Intuitiva, da editora Planeta, e criadora do primeiro blog de looks diários no Brasil nos anos 2000, intitulado “Hoje Vou Assim”, com a intenção de desconstruir a percepção da moda como futilidade, acredita que podem ocorrer booms de consumo, mas em contrapartida algumas pessoas podem despertar para o que é essencial e repensar o que vão consumir na moda. “Neste período estamos tendo a oportunidade de perceber o que é essencial. Eu acho que as marcas deveriam perceber que não dá para ficar criando coleções com vidas conectadas nos anos 1990, com muito luxo, ostentação, perfeição, como estava sendo feito. O mundo há muito tempo já não está mais com essa cara. É claro que o vestir sempre será muito importante, mas o que percebo é que se as marcas conseguirem se conectar com as coisas internas, voltar para dentro, valorizar o sentir, elas vão passar melhor por esse período”, diz. A blogueira intui que cada vez mais as pessoas vão buscar roupas que façam sentido colocar no armário. “Acho que a tendência é não fazer mais tantas peças. Acredito que farão peças com conforto, levando em conta a sustentabilidade, o bem-estar, a saúde. Penso que todas essas palavras vão nortear a moda daqui para frente. E acho que a expressão ‘menos é mais’ nunca fez tanto sentido quanto agora”, diz. Beleza, procedência e funcionalidade Thailis Rodrigues Domingues, professora do curso da Unisal, destaca que a moda deve ser vista como um processo que visa estética, inteligência e funcionalidade ao consumidor. “Quando o produto é feito apenas pensando na beleza, e deixa a funcionalidade e a produção de lado, isso não é mais moda, atualmente. A moda contemporânea é um conjunto de valores agregados ao ciclo produtivo e cada vez isso fica mais evidente”, considera. Dentre as tendências que vieram para ficar Thailis destaca que estão as máscaras, que já estão incorporadas nas coleções das grandes e pequenas marcas. “Algumas tecelagens começaram a produzir tecidos antivirais que estão trazendo mais proteção. As confecções estão buscando alternativas que contemplem o home office, valorizando mais a parte de cima das peças. Outra coisa importante é o investimento em tecnologia, e-commerce com provadores virtuais, vitrines virtuais como alternativas para o consumidor não sair de casa, mas que possa interagir com as marcas, são medidas que estão sendo implementadas”, diz. A professora destaca ainda que a pandemia pode trazer um fortalecimento da indústria nacional. “Penso num aumento da economia solidária, as pessoas trabalharem juntas em prol das empresas nacionais. A ideia, além da vestimenta, hoje passou a influenciar no modo de pensar, num conjunto de valores, tudo isso tem que ser levado em consideração nos dias de hoje. A moda sempre buscou alternativas para as crises. No período da guerra as mulheres passaram a usar calça, foram para o mercado de trabalho já que muitas tinham perdido seus maridos nas batalhas. Foi nesse período que começaram os brechós. A moda está sempre buscando caminhos para se reinventar e tenho certeza que teremos muitas novidades ainda. Os reflexos da pandemia também estarão presentes no olhar das coleções. Moda diz muito do que estamos sentindo, passando”, conclui ela.

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